domingo, 8 de setembro de 2013

Contratação de estrangeiros para Mais Médicos preocupa países vizinhos

  atualizado às 10h31

Contratação de estrangeiros para Mais Médicos preocupa países vizinhos

O plano do governo brasileiro de contratar médicos estrangeiros causou preocupação em alguns países vizinhos, onde se teme que possa aumentar o déficit de profissionais nas regiões rurais e fronteiriças, um problema comum em toda a América Latina.
O programa Mais Médicos, que prevê incentivos para levar profissionais de saúde a regiões mais distantes do país, atraiu em sua primeira convocação 282 estrangeiros, a maioria vindos de Espanha, Argentina, Portugal e Uruguai, e já iniciou uma segunda fase, na qual se inscreveram 1.165 médicos de 65 países.
As vagas também foram oferecidas para brasileiros e, paralelamente, houve a contratação direta de quatro mil médicos cubanos, por meio do acordo de cooperação travado com Cuba pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPS).
​Para não fomentar a emigração de países com problemas mais graves de recursos humanos, o governo da presidente Dilma Rousseff exige que o profissional venha de países com mais médicos per capita que o Brasil, onde a taxa está atualmente em 1,8 médicos para cada mil habitantes. Os únicos países latino-americanos que cumprem esse requisito são Cuba (6,7), Uruguai (3,7) Argentina (3,2), México (2) e Venezuela (1,9), segundo números da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Brasil também aceita profissionais vindos de países com grave déficit de médicos, como Peru e El Salvador, se exercem a profissão em um terceiro país com boas taxas, explicou à agência EFE um porta-voz do Ministério da Saúde.
Apesar da cautela, o programa provocou queixas de autoridades de países vizinhos, iradas no caso da província argentina de Misiones, cujo responsável de Saúde, Oscar Herrera Ahuad, qualificou o programa brasileiro de "atentado" aos seus recursos humanos.
O presidente do Uruguai, José Mujica, foi mais comedido e minimizou a importância do caso, mas ressaltou que seu país, apesar da boa média global, ainda carece de profissionais de saúde nas zonas rurais. "Acontece o mesmo que no Brasil: os médicos não querem ir aos povoados", resumiu o presidente uruguaio em declarações a jornalistas na última quinta-feira.
O médico e pesquisador brasileiro Mario Dal Poz, ex-coordenador de Recursos Humanos em Saúde da OMS, disse à EFE que o impacto do Mais Médicos na Argentina e no Uruguai deveria ser "anedótico" já que esses países formam profissionais suficientes. "Se o movimento é muito intenso, pode haver uma crise no país que está perdendo médicos", afirmou Dal Poz que, no entanto, indicou que os fluxos migratórios de médicos foram baixos na América Latina.
Um recente estudo da OPS sobre a região andina contabilizou que 565 médicos emigraram da Colômbia entre 2008 e 2010, enquanto outros 588 saíram do Peru entre 1994 e 2008. "Não são números exagerados, mas para um país como o Peru (com uma taxa de somente um médico por mil habitantes) perder quase 600 médicos em dez anos é muito", comentou.
No caso do Brasil, o acadêmico considerou que o Mais Médicos tem "muitos méritos", mas também "buracos", o principal, não oferecer de soluções a médio prazo para garantir sua sustentabilidade.
Segundo Dal Poz, desde os anos 60 pelo menos outros quatro programas para levar médicos às regiões remotas do país foram lançados e "todos funcionaram inicialmente", mas depois fracassaram por não ter uma estratégia sustentável.
O resultado é que certas regiões pobres do Brasil contam com algumas das taxas mais baixas do mundo, como o Maranhão, com 0,58 médicos por mil habitantes, ou as regiões amazônicas do Amapá (0,76) e do Pará (0,77).
"A tendência é que as pessoas busquem os empregos que oferecem melhores condições financeiras, de trabalho e de conforto. Isso não é uma característica só do Brasil. Há estudos que mostram que é um problema global", afirmou Dal Poz, que conclui: "Para ter profissionais em áreas de difícil acesso tem que oferecer incentivos".
ENTENDA O 'MAIS MÉDICOS'
- Profissionais receberão bolsa de R$ 10 mil, mais ajuda de custo, e farão especialização em atenção básica durante os três anos do programa.
- As vagas serão oferecidas prioritariamente a médicos brasileiros, interessados em atuar nas regiões onde faltam profissionais.
- No caso do não preenchimento de todas as vagas, o Brasil aceitará candidaturas de estrangeiros. Eles não precisarão passar pela prova de revalidação do diploma
- O médico estrangeiro que vier ao Brasil deverá atuar na região indicada previamente pelo governo federal, seguindo a demanda dos municípios.
- Criação de 11,5 mil novas vagas de medicina em universidades federais e 12 mil de residência em todo o País, além da inclusão de um ciclo de dois anos na graduação em que os estudantes atuarão no Sistema Único de Saúde (SUS).
EFE