Crise 'exportou' 700 mil espanhóis - e muitos vieram para a América Latina
Vinte e cinco por cento de
desemprego, perspectivas econômicas pouco animadores, aprovação do
governo em patamares históricos baixos. Um ambiente assim parece ser o
pior possível para alguém que quer construir uma carreira e uma vida. É
exatamente isso que pensam milhares de espanhóis.
Em muitas corporações, a educação europeia é valorizada com bons salários e perspectivas de promoção.
Cerca de 700 mil espanhóis deixaram o seu país entre 2008 e 2012, segundo pesquisa da entidade Fundacion Alternativas. Estatísticas mostram que, só em 2013, 547.890 pessoas deixaram a Espanha - mas apenas 79.306 eram espanhóis. O resto eram estrangeiros, inclusive muitos latino-americanos que haviam chegado à Espanha nos anos 1990, mas desistiram de seus sonhos no país.
O pesquisador do instituto independente Fedea, Jesus Fernandez-Huertas Moraga, diz que os números da imigração espanhola para a América Latina ainda são modestos, mas que eles cresceram bastante desde o começo da crise econômica europeia.
Atitude de São Paulo
Javier García-Ramos sempre sonhou em morar na América do Sul. Quando a crise se agravou na Espanha, ele trocou sua cidade natal, Madri, por São Paulo, em uma decisão considerada "corajosa" por muitos a seu redor.Aos 44 anos, ele é diretor de fusões e aquisições de uma consultoria brasileira.
Isso foi há dois anos e meio. García-Ramos conta que a atmosfera mais relaxada do Brasil é mais compatível com ele.
"No Brasil, você tem todos os atrativos do Primeiro Mundo que temos na Europa, mas com o ritmo e a atitude de um país em desenvolvimento, que são coisas que me atraem."
García-Ramos diz que contou com a paciência dos colegas de trabalho enquanto aprendia português. Hoje ele ganha mais dinheiro em São Paulo do que na Espanha. Ele ainda não decidiu se vai se estabelecer no Brasil, ou se eventualmente voltará a morar em Madri.
Essa é uma situação comum para muitos espanhóis.
"Meu próximo passo ideal seria ter um emprego em uma multinacional espanhola. Poderia ser aqui na América do Sul ou em Madri, mas quero sempre ter a possibilidade de ir para qualquer um dos dois lugares no futuro", diz.
Na Espanha, estagiário; no Peru, diretor de imprensa
Angel Lopez, de 26 anos, foi um dos espanhóis que se aventurou pela América Latina. Nascido na província de Alicante, ele chegou a Lima. no Peru, em março de 2012. Na Espanha, estava fazendo um estágio não-remunerado na TV Canal 9. No Peru, ele foi contratado para ser diretor de imprensa de uma grande empresa do setor de educação.Lopez é presença constante em programas de televisão no Peru e faz palestras por todo o país sobre marketing e publicidade.
"Eu deixei a Espanha mais cedo que a maioria das pessoas da minha geração, mas é porque eu estava trabalhando em uma televisão que todos sabiam que fecharia. Eu tinha completado meus estudas e pensava que, se ficasse [na Espanha], com sorte eu teria um estágio pago ou seria trainee aos 30 anos", conta.
Ele precisou de alguns meses para se adaptar à cultura legal. Mas a língua comum facilitou bastante essa adaptação.
Angel conta que, no começo, muitos de seus familiares temeram por seu futuro. Isso devido à "ignorância disseminada" que se tem na Espanha sobre o Peru.
Ele relata que a imagem que muitos espanhóis têm do Peru é de um país cheio de montanhas, trajes típicos e programas de televisão cafonas.
Mas isso está mudando com a chegada de tantos espanhóis ao Peru.
"Há poucos anos, éramos algumas centenas. Agora são milhares como eu, e há cada vez mais empresas espanholas trazendo seus negócios ao Peru todo dia", diz.
Um dos motivos para isso pode ser a trajetória econômica ascendente do Peru e de outros países da América Latina. O FMI prevê que a economia espanhola crescerá 1,2% este ano. Para o Peru, a previsão é de 5,5%. México (3%), Chile (3,6%) e Panamá (7,2%) também são países com boas perspectivas de crescimento neste ano.
Com custos de vida mais baixos e oportunidades de avanços rápidos na carreira, é fácil entender porque tantos espanhóis estão se mudando para a América Latina.
Segunda 'invasão'
Em várias cidades latino-americanas, as pessoas brincam que desde a era colonial a região não era invadida por tantos espanhóis de uma só vez.Ana Bobo, de 38 anos, disse que seu sonho de uma vida melhor nasceu de um pesadelo. A agência de marketing na qual trabalhava em Madri teve uma queda súbita de 50% nos seus negócios, e ela esteve perto da bancarrota.
"No começo de 2013, eu estava contando os meus dias", diz ela. "Eu ficava pensando sobre o meu futuro e comecei a falar com várias pessoas. Logo percebi que não havia lugar para mim na Espanha."
Ela pensou em ir para Inglaterra, Peru, Colômbia ou Chile.
"Não havia muitas oportunidades na Inglaterra, então passei a focar na América Latina onde há oportunidades não só de trabalho como também de promoção", disse.
Ana Bobo viajou para Santiago em novembro do ano passado para testar a reputação de prosperidade e segurança do Chile.
Impressionada com o que viu e com as propostas que recebeu, ela voltou em janeiro para trabalhar como gerente de marketing de uma empresa financeira.
Os desafios culturais e de adaptação foram menores do que ela havia antecipado, e ela diz não ter perdido nada em termos de qualidade de vida. Seu salário é de duas a três vezes maior do que o que poderia ganhar na Espanha.
"A 'marca europeia' ainda é uma vantagem enorme aqui. Se você tem as habilidades, você possui uma grande vantagem."
Estatística oficiais mostram que a imigração espanhola para o Chile mais que duplicou no último ano, com 5.739 espanhóis fixando residência no país. O número mostra um grande contraste com o que acontecia no passado. Em 2005, 3,7 mil espanhóis haviam se mudado para toda a América Latina, segundo a revista britânica The Economist.
Leia a versão original desta reportagem em inglês no site BBC Capital.