Analfabeto no século 21 é quem não sabe usar computador
por Eliane Bardanachvili - publicado em 17/01/2007
O
mundo ainda nem conseguiu driblar os índices assustadores de pessoas
que não sabem - ou mal sabem - ler e escrever, e se depara com um novo
desafio: conter o analfabetismo digital gerado pelo abismo que separa as
camadas mais pobres da população dos meios eletrônicos. Para muita
gente, este pode parecer um problema secundário, diante de questões
sociais prementes, como fome, falta de escolas, atendimento precário de
saúde. No entanto, queiramos ou não, a organização da sociedade está
toda baseada no uso do computador - seja para concretizar sofisticadas
negociações entre empresas, seja para realizar pequenas tarefas da vida
cotidiana. Todas as camadas da sociedade precisam se qualificar para
acompanhar o desenvolvimento da tecnologia, sob pena de ver se acirrar a
exclusão social pela exclusão digital. Pela universalização do acesso ao computador e à internet, pode-se reduzir a miséria e romper um ciclo de ignorância que o atraso tecnológico ajuda a alimentar. "A pobreza não será reduzida com cestas básicas, mas com a construção de coletivos sociais inteligentes, capazes de qualificar as pessoas para a nova economia e para as novas formas de sociabilidade", afirma o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, no livro Exclusão Digital - a miséria na era da informação.
Quem quer conectar-se à internet precisa de um provedor de acesso e de uma linha telefônica. Alguns provedores são gratuitos, mas as ligações, não. E é preciso dinheiro também para comprar um computador, que não sai por menos de R$ 1 mil. Essas cifras privam uma horda de jovens de um mergulho nos bilhões de sites disponíveis na grande rede, com uma enxurrada de informações.
"O mundo eletrônico é imposto a cada indivíduo e ainda existem dificuldades de acesso à compreensão e ao uso desta tecnologia por razões econômicas e culturais óbvias. A idéia é de que hoje exista e tenha-se desenvolvido um analfabetismo relacionado ao mundo eletrônico", analisa o historiador francês Roger Chartier, estudioso da história da leitura e do livro.
Se os mais pobres não têm acesso a esses recursos, nem por isso ignoram sua importância. Silveira, em seu livro, cita o exemplo do Grupo Sílvio Santos, que decidiu financiar computadores com prestações mais acessíveis à população de baixa renda e surpreendeu-se com a venda de mais de 4 mil unidades por dia. Foi preciso suspender a promoção para o grupo se reestruturar e atender à demanda inesperada. "As pessoas apartadas da sociedade da informação estão percebendo a importância de sua inserção, buscando as menores brechas para não perderem os bits da história", conclui Silveira. "O computador conectado à internet já é para as famílias uma esperança de um futuro melhor para seus filhos", ressalta.
A clareza de que é via internet que se está verdadeiramente conectado com o século 21 levou à criação do Comitê de Democratização da Informática (CDI), organização não-governamental idealizada e dirigida pelo empresário Rodrigo Baggio. O CDI leva a informática a populações menos favorecidas nas Escolas de Informática e Cidadania, para quem o contato com o computador vem atrelado a uma formação para ecologia, saúde, direitos humanos e não-violência. No perfil da exclusão digital no Brasil, apresentada no Fórum Econômico Mundial, em Nova Iorque, em fevereiro deste ano, Baggio mostrou que só na China a exclusão digital é maior a do Brasil. De acordo com seu levantamento, apenas 3% das escolas do país têm acesso à internet e, destas, 67% são escolas privadas.
E outros problemas contribuem para o que Baggio chama de "apartheid digital", como disse em reportagem do jornal O Globo, de 02/02/02. Os 170 milhões de brasileiros dispõem apenas de 40 milhões de linhas telefônicas e só 7% da população (11,9 milhões de pessoas) têm acesso à internet - sendo que 80%, das camadas mais elevadas da população.
Em nível mundial, os números também não animam. Dados da revista Internet Business mencionados no livro do sociólogo Sérgio Amadeu Silveira, sobre o acesso à rede mundial de computadores no primeiro trimestre de 2001, em 27 países, mostraram que 41% de todos os acesso concentram-se nos Estados Unidos e Canadá. A Ásia, a região mais populosa do planeta, detém apenas 20% dos acessos, enquanto a América Latina registrou somente 4%.
Mas, de qualquer maneira, é preciso mais do que equipamentos para se enfrentar a exclusão digital. Universalizar o acesso aos computadores e à internet sem uma educação para a interatividade torna-se inútil. Para o sociólogo Marco Silva, autor do livro Sala de aula interativa (Quartet, 2000), a forma como se conduz o processo educativo tem papel fundamental na mudança desse quadro. As relações dentro da escola devem se pautar pela troca de informações e de experiências, sem se centrar em relações unilaterais - em que um professor é dono da informação e o aluno, um receptor passivo. Para Marco Silva, a interatividade deve dar o tom nas relações dentro da escola. Com ou sem computadores. "Interatividade é um conceito de Comunicação, não de Informática. E se faz até debaixo de uma árvore", diz ele, ressaltando exemplos de escolas bem equipadas em que os professores trocam os computadores ligados à internet pela velha prática do ditado.
Eliane Bardanachvili é jornalista e consultora do projeto Século XX1.