domingo, 26 de abril de 2015

Um tiro no “efeito Tiririca” O Senado aprova o fim das coligações em eleições para deputados federais, estaduais e vereadores

Um tiro no “efeito Tiririca”

O Senado aprova o fim das coligações em eleições para deputados federais, estaduais e vereadores. É um passo importantíssimo no aperfeiçoamento de nossa democracia

Na eleição de 2010 para a Câmara dos Deputados, o palhaço Tiririca, candidato em São Paulo, recebeu 1.353.820 votos,  recorde histórico que o elegeu deputado pelo PR. Um dos slogans de campanha de Tiririca era: “Pior que está, não fica”. Na verdade, ficou um pouquinho pior, sim. Tiririca levou consigo para Brasília uma bancada de deputados que não haviam recebido votos suficientes para  ser eleitos, mas acabaram conquistando  cadeiras no Parlamento. Eles pertenciam à mesma coligação do humorista, formada por PR, PSB, PT, PCdoB, PT do B. Com sua votação, Tiririca afastou da Câmara vários candidatos com mais votos, mas que concorriam por outras coligações. Agravou assim uma distorção na representação de nosso sistema político, facilitada pela possibilidade de coligações partidárias nas eleições para a Câmara dos Deputados, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais.

No mês passado, o Senado Federal aprovou, em segundo turno, uma proposta de emenda à Constituição para acabar com essa distorção. A proposta acaba com as coligações partidárias nas eleições para deputados federais e estaduais e para vereadores. A aliança de partidos será permitida somente nas eleições majoritárias – para presidente, governadores e senadores. A proposta seguiu agora para discussão na Câmara dos Deputados, onde deverá ser aprovada também em dois turnos para entrar em vigor. O Senado Federal acaba de dar um passo importantíssimo para o aperfeiçoamento da democracia brasileira. A aprovação do fim da coligação em eleições proporcionais é um tiro no expediente, recorrente na política brasileira, de montar coligações com partidos sem nenhuma afinidade ideológica ou programática entre si, apenas por conveniência eleitoral. O objetivo de tais coligações tem sido basicamente aumentar o tempo de propaganda de rádio e TV e viabilizar que algumas legendas nanicas atinjam quociente eleitoral e consigam cadeiras nas Casas Legislativas.

O fim das coligações nas eleições proporcionais pode contribuir para fortalecer os partidos com representatividade na sociedade e atenuar um dos principais problemas do nosso sistema político: a excessiva fragmentação partidária. Nas últimas eleições, 28 partidos elegeram deputados federais. Boa parte dessas siglas são legendas de aluguel, controladas como cartórios por dirigentes que as usam como moeda de troca para auferir ganhos pessoais. A proliferação de partidos também contribui para complicar a gestão das maiorias no Congresso, atrapalhando a estabilidade política. Com o mesmo objetivo de combater a excessiva fragmentação partidária, é importante retomar a discussão, em termos que não contrariem a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de uma cláusula de barreira, com a imposição de um percentual mínimo de votos para que um partido obtenha assentos na Câmara dos Deputados.
 
VIDA REAL O palhaço Tiririca, em campanha eleitoral. Acreditar em mundo perfeito pode tornar  as coisas piores (Foto: Rogério Cassimiro/Ed. Globo)
Com esses ajustes pontuais, é possível melhorar nosso sistema político, sem nos entregarmos à ilusão  – muito comum no Brasil, como diz o cientista político André Singer – de que ele está podre e precisamos reformá-lo de alto a baixo para prevenir os escândalos de desvio de dinheiro público. A ideia de uma reforma política radical como panaceia para a corrupção é recorrente, equivocada e, antes de tudo, ingênua. Em primeiro lugar, porque não existe sistema político perfeito. Todas as principais democracias do mundo enfrentam problemas de corrupção e apresentam falhas em seus sistemas políticos – e todas passam por mudanças pontuais periodicamente, para ajustar-se aos desafios que o regime democrático enfrenta de tempos em tempos.
Em segundo lugar, é preciso reconhecer que nosso sistema político, apesar de relativamente jovem, vem funcionando bem, principalmente se comparado a outras democracias jovens da América Latina. Em 30 anos de regime de liberdade, ele tem garantido estabilidade política, resolução de conflitos sem violência, redução da pobreza, equilíbrio macroeconômico e a representação de interesses no jogo político. Nossos três principais partidos – PT, PSDB e PMDB – estão ancorados na vida real da sociedade brasileira e expressam interesses sociais genuínos e legítimos. Democracias jovens como a brasileira necessitam de tempo de maturação. E o melhor jeito de atingir essa maturidade é manter o essencial das regras por algum tempo, até para que os eleitores se acostumem.

Nosso sistema partidário é resultado também da evolução histórica da democracia brasileira, com suas marchas e contramarchas. Acreditar que existe uma solução mágica para resolver seus problemas é desconhecer que a política, embora tenha sua autonomia, é sobretudo um reflexo da sociedade. Não dá para inventar um mundo perfeito. Quem acredita no mundo perfeito frequentemente dá com a cabeça na parede – ou em regimes autoritários. A história está cheia de exemplos. Parafraseando Tiririca, pode, sim, ficar pior do que está.da revista Época/março 2015


NOTÍCIAS RELACIONADAS

-Na 'Lava Jato italiana', peso dos partidos era diferente, diz filho de condenado

-Quase 40 países já proíbem doações de empresas a candidatos

-Oito morrem em acidente com três veículos na região de Londrina